Viver bem com câncer

Viver bem (com câncer), que mal tem?

Estranho as expressões “viver bem” e “com câncer” coabitando na mesma frase, não? Pois bem! Acho que está mais do que na hora de abrirmos um pouco a cabeça sobre isso.

Infelizmente, ainda acontece hoje em dia de, quando pensamos em câncer, automaticamente surge na nossa mente a imagem de uma pessoa pálida, abatida, triste, sem cabelos nem opções. Familiares chorando ao redor daquele pobre ser que não tem mais esperanças na vida. Praticamente um velório de alguém que não morreu. Porém, contrariando as expectativas do imaginário comum, o indivíduo que está com câncer continua VIVO. Continua tendo contas para pagar. Continua tendo compromissos a cumprir como buscar os filhos na escola, fazer compras no supermercado, resolver problemas no banco. Continua tendo prazer e lazer. Gosta de ir ao cinema. Gosta de sair para jantar a dois ou encontrar os amigos. Quer (e deve) continuar praticando atividade física. Gosta de amar e se sentir amado, acredita?!

Até bem pouco tempo atrás, isolamento social de um pessoa em tratamento para câncer era quase obrigatório, como se, junto com todas as perdas que o tratamento impõe, viesse de brinde extra você perder o direito à vida em sociedade. Sim, tem dias em que não se tem vontade de fazer muita coisa, ou por efeito das medicações ou simplesmente por adaptação a essa nova realidade. Tem dias de sentir raiva de tudo e de todos, e nesses dias é melhor mesmo evitar o convívio social (para o bem das pessoas ao redor, é claro). Tem dias em que você não pode estar no meio de muita gente por orientação médica, a qual sempre deve ser seguida. Mas acredite, na maioria dos dias você vai estar se sentindo bem – e fazer as coisas que você costumava fazer sempre vai devolver a sensação de que a sua vida ainda lhe pertence. Você acorda no 5º dia após a quimioterapia e vê que o dia lá fora está lindo! Levanta da cama e percebe que o enjôo passou, o apetite está voltando e o corpo não dói. Lembra que tem alguns dias até a próxima quimio e quase morre de felicidade! Esse é o momento de tomar um bom banho, tirar o pijama e ganhar a cidade.

E sabe o que mais a gente descobre quando tem câncer? Que não podemos fazer algumas coisas, mas fora essa pequena lista PODEMOS FAZER TODO O RESTO! Vale maquiagem, vale brincar com perucas e lenços, vale lustrar a careca de filtro solar e desfilar por aí. Vale calçar aquele sapato colorido que você nunca usou porque tinha vergonha. Vale visitar aquele lugar looooonge, que você nunca foi porque não tinha tempo. Vale dar aquela caminhada no parque às 3 da tarde. Vale assistir todos os filmes que ganharam o Oscar nos últimos 30 anos ou terminar aquele livro que estava esquecido na prateleira. Vale escrever uma carta para aquele amigo que mora longe. Vale conhecer um restaurante novo, tomar chá da tarde com sua tia ou aproveitar um colinho de quem está te cuidando.

Hoje em dia a palavra empoderamento está tão na moda, por que não usá-la no câncer também? A pessoa em tratamento continua sendo a mesma e, quanto mais próximo da normalidade sua vida estiver, mais tranqüilo será passar por ele. E você, que não está em tratamento, olhe com respeito para o ser humano sem cílios ou sobrancelhas que você encontrar na rua, não olhe com pena. Sorria ao invés de desviar o olhar.

Isso é empoderar. Isso é acolher. Isso é tratar a alma.

Juliana Rizzieri
Pediatra e voluntária da ONG Projeto Camaleão
Porto Alegre, RS