Passaporte para uma viagem não programada

Após o meu diagnóstico de câncer de mama, no dia 6 de junho de 2016, recebi um passaporte que dava acesso a locais nunca antes percorridos, com direito a muita emoção e adrenalina! Mas, por mais que pareça estranho, o tempo transcorrido desde então está sendo muito importante pra mim e pra minha família, porque compreendemos que somos totalmente capazes de nos adaptar e enfrentar situações que fogem dos nossos sonhos e metas habituais. E percebemos ainda que podemos ser melhores e mais fortalecidos do que realmente somos.
• Aprendi que: a vida é realmente fascinante! Nossa como o sorriso, ou melhor, a gargalhada do meu filho é linda!
• Aprendi que: há pessoas com dores muito maiores que a sua. Sempre. Por mais que eu já vivenciara a doença como médica com as crianças, agora que vejo o sofrimento dos adultos e suas dificuldades e medos percebo o quanto maior é o sofrimento alheio.
• Aprendi que: independentemente de sua etnia ou crença religiosa, toda oração é sempre bem-vinda!
• Aprendi que: cabelo cresce de novo após a quimioterapia (ainda bem). Careca no frio sofre e no verão é tudo de bom. Digo isso porque toda vez que entra um vento por baixo da minha prótese capilar tenho um arrepio de frio. E quando corro, meu Deus, a careca sua demais. Ser careca é prático, ter cabelão dá trabalho. Mas, para que reclamar que meu cabelo é liso, enrolado, preto, branco, vermelho…? Nunca mais… o importante é TER cabelo; depois que você fica careca, o que vier é lucro.
• Aprendi que: todo mundo tem uma história pra te contar de um parente/amigo/ vizinho doente porque as pessoas têm a necessidade de compartilhar algo com você, e algumas nem sabem o que dizer (nesses casos, não diga nada, um abraço é o suficiente, já disse isso). Mas, o legal de tudo isso é sentir a solidariedade das pessoas.
• Aprendi que: existem várias formas de pronunciar a palavra câncer: doença ruim, aquela doença, probleminha, tumor, nova jornada, novo desafio (As pessoas são realmente muito engraçadas e medrosas. Rsrs!)
• Aprendi que: algumas pessoas que você não via há anos, simplesmente surgem das cinzas. Outras que você vê frequentemente, desaparecem. Outras, ainda, que nem conhecia, passam a ser seus melhores amigos. E isso, é simplesmente fantástico. O mundo ao seu redor fica mais colorido. Amigos irão sumir. Os que somem, apenas não sabem lidar com a situação (não os julgo); os que permanecem, eu já sabia quais eram (só me confirmaram); e os que surgem são anjos que Deus colocou em sua vida. E os seus amigos com câncer, então? Nossa, são os melhores! Vou te dizer que agora a gente devia até montar um “clube das com câncer”. E vamos ter preconceito e não deixar qualquer um entrar.
• Aprendi que: é fácil sorrir, mesmo quando se tem um problema e que ser alegre é uma escolha, que depende só de nós.
• Aprendi que: muitas coisas que eu reclamava e que ocupavam a maior parte do meu dia ficaram tão pequenas e insignificantes que não persistem tempo demais no meu pensamento! Descomplique também a vida! Por mais que uma dor pareça infindável, uma hora ela vai passar (e depois de uns dias, você nem vai se lembrar dela). Ter momentos de desabafos e períodos de luto são totalmente naturais e em alguns momentos até benéficos (afinal, somos humanos). Mas, não se prenda tempo demais a eles!
• Aprendi que: a alimentação e os exercícios físicos são a base para uma vida saudável (isso não impede que você tenha algumas doenças, mas permite que você se recupere muito melhor e bem mais rápido). Eu tenho plena consciência dos poucos efeitos colaterais da minha quimioterapia devido aos meus exercícios físicos.
• Aprendi que: você pode se sentir linda(o) mesmo sem cabelo ou sobrancelha (e que pintar as falhas da sobrancelha é maravilhoso). Mais do que isso, aprendi que: tenho sorriso, tenho expressões, tenho lágrimas de emoção, tenho sorriso nos olhos, tenho beleza interna que exala.
• Aprendi que: sua verdadeira família estará com você nos momentos mais difíceis. A família é a força, é amor puro, perto ou longe. Sempre fui muito ligada a minha família. Mas, agora, tenho conexão até telepática. Rsrs.
• Aprendi que: médicos podem se tornar seus verdadeiros amigos. E verdadeiros amigos podem se tornar seu médico para todas as horas (face, WhatsApp, sms). Eu tinha muitos médicos amigos, mas de trabalho (aliás, meu melhor amigo é médico). Mas, agora, meus médicos são meus amigos, dá para entender???
• Aprendi que: ninguém é novo demais, ou legal demais, ou rico demais, ou pobre demais para ter câncer (no hospital, tem gente de todas as espécies! Tem até alienígena com câncer! Rsrs!).
• Aprendi que: dizer “eu te amo” se torna mais fácil quando lembramos que somos mortais.
• Aprendi que: não é feio chorar em público.
• Reaprendi que: conhecer seu corpo pode salvar sua vida (percebeu um caroço diferente no seio? Procure um médico!). Eu sempre fui da ciência. Mas, agora, estou tendo a prova viva em mim. Uma palpação, um diagnóstico precoce, uma vida salva.
• Aprendi que: nem tudo está sob nosso controle! Confie e siga que amanhã é um novo dia! As vezes, aquela viagem paga há 6 meses atrás terá que ser adiada. Fazer o que, não é?
• Aprendi que: maquiagem é tudo! Que químio combina com corretivo para olheiras, cílios postiços, blush e lápis. Você fica novinha e saudável com esse “kit sai para lá cara de doente”. Seu mundo muda de cor, e o hoje fica muito mais colorido e brilhante.

• Aprendi também que: a vida é muito mais do que acordar, trabalhar e dormir. A vida é viver, ter momentos, contato social, com quem amamos. Ter dinheiro e não ter tempo, não combinam. Existem mais pessoas do bem do que eu imaginava. Ter medo é normal.  Se um dia alguém te fez mal, reze por ela. Essa pessoa precisa mais do que você de oração.
• Aprendi que: que na hora que você precisa, a força vem. E que acreditar que vai dar certo é teu único recurso. Somos super-heróis de verdade.
• Aprendi que: mãe e pai dão a vida por você.  Irmão é a única pessoa que você pode contar TUDO, sem se preocupar se vai brigar com você ou não, se vai rir ou chorar, se vai achar ridículo ou legal, e que com certeza vai te criticar, mas sempre por querer o seu melhor.


Família: irmã e pai, sempre na torcida!

 


Fabíola Peixoto Ferreira La Torre
Médica Pediatra
São Paulo, SP