Enxerto de gordura na mama

O auto-enxerto de gordura (gordura transferida do próprio indivíduo, de um lugar do corpo para outro), é uma técnica utilizada há muito tempo na cirurgia plástica. Seu uso em cirurgia mamária, no entanto, sempre foi considerado um tabu sob o temor de confundir o diagnóstico do câncer de mama ou até de estimular o crescimento de tumores. Em 2009, o enxerto de gordura na mama foi considerado seguro e passou a ser usado em cirurgia mamária reconstrutiva, com o objetivo de corrigir defeitos gerados após retirada de tumores. A experiência inicial foi muito positiva, evoluindo desde pequenas correções até reconstrução total de mama pós-mastectomia apenas com enxerto de gordura.

No acompanhamento inicial das pacientes com câncer de mama tratadas com enxerto de gordura, alguns estudos levantaram novamente a suspeita de que as células de enxerto de gordura pudessem estimular o crescimento e a recidiva de tumores na mama. Entretanto, à medida que um número maior de pacientes foi acompanhado ao longo do tempo, não houve qualquer indício de que o enxerto de gordura fosse prejudicial às pacientes. E, mais do que isso, o enxerto de gordura passou a ser uma solução bastante efetiva, pouco agressiva e segura para o tratamento das sequelas do câncer.

Esta evolução do tratamento foi relacionada a um conhecimento mais detalhado do funcionamento das células gordurosas, incluindo a identificação de células-tronco presentes na gordura. Houve também um aprimoramento nas técnicas de coleta, preparo e injeção da gordura, o que proporcionou melhor qualidade e segurança dos resultados.

Atualmente, tanto pacientes tratadas com retirada parcial (quadrantectomias, setorectomias) como com retirada total (mastectomias) da mama podem se beneficiar do tratamento com enxerto de gordura. Nos casos de reconstrução com implantes de silicone, o enxerto de gordura contribuiu no refinamento do contorno da mama e na cobertura do silicone.

Na maioria dos casos, o enxerto de gordura retirado de outras partes do corpo (principalmente abdômen e coxas) é uma técnica complementar à reconstrução de mama. Mas é possível reconstruir todo o volume de mama apenas com gordura. Neste caso, podem ser necessárias várias cirurgias, uma vez que a quantidade de gordura que pode ser injetada é limitada em cada sessão.

Um grupo especial de pacientes tem apresentado resultados bastante satisfatórios com o uso da gordura. São as pacientes tratadas com radioterapia. Nestes casos, embora com impacto maior sobre células cancerígenas, a radioterapia pode provocar lesões de pele (radiodermatites) que dificultam a reconstrução e limitam o resultado das cirurgias. Nestas pacientes, o uso da gordura tem se mostrado bastante efetivo na reversão de fibrose e das retrações de pele, além de evitar cirurgias de maior porte para tratar as lesões da radioterapia.

Como funciona o procedimento

O enxerto de gordura pode ser realizado de forma isolada ou em conjunto com os demais procedimentos de reconstrução mamária. No caso de procedimento isolado, costuma ser de caráter ambulatorial (sem necessidade de internação hospitalar). A gordura é coletada de áreas doadoras (coxa, dorso, coxas) através de lipoaspiração. Após, realiza-se uma preparação do enxerto através de decantação, centrifugação ou lavagem. O objetivo é purificá-la ao máximo, removendo os resíduos de sangue e outras células. Com o uso de seringas e cânulas de 1,5 a 2 milímetros, a gordura processada é injetada na região da reconstrução mamária através de pequenos orifícios da pele.

Atualmente, com o aprimoramento da técnica, 50 a 80% da gordura injetada “sobrevive” e, a partir daí, é permanente. Isso contribuiu, além do preechimento de volume, para a melhora da elasticidade da pele, redução da fibrose, melhora da circulação de sangue e diminuição da rigidez na zona da reconstrução da mama.


Rafael Netto
Cirurgião Plástico
Porto Alegre, RS

Referências
1. Khoury Jr., R. Khoury, R. Current Clinical Applications of Fat Grafting. Plast Reconstr Surg 2017;140:466e.
2. Agha, RA. Use of autologous fat grafting for breast reconstruction: systematic review with meta- analysis of oncological outcomes. J Plast Reconst Aesthet Surg 2015; 68:143.
3. Simonacci, F. Autologous fat transplantation for breast reconstruction: A literature review. Ann Med Surg (Lond) 2016;12:94-100.