A pupila, de médica a paciente
É pessoal, eu já falei: se tem uma coisa que aprendi como médica a paciente é que o câncer vai se infiltrando e não escolhe nada e nem ninguém. Ele não faz distinção. Entre sexo, raça, idade e nem profissão. Então, um belo dia, fico sabendo que uma aluna minha estava com câncer de mama. Ah não!!! Minha pupila não. Eu passei por isso, eu passo por tudo, mas meus alunos, meus residentes? Meu Deus, como isso foi difícil para mim. Porque meus residentes da medicina são como filhos para mim. E nenhuma mãe tem coração para aguentar seus filhos passando por isso.
Eu já disse para vocês que temos um grupo de WhatsApp e aí de repente lá estava ela. E eu, tive que unir forças e incentivá-la. Acho que pude sentir um pouco a dor da minha mãe. A minha Tati, tão alegre e sorridente da residência médica. Ela é tão menina. E nos encontramos no mundo virtual conversando sobre como enfrentar essa doença e eu tive que dar forças para ela e logo nos encontramos na salinha do salão de beleza carecas fazendo a manutenção de nossas próteses capilares. Agora, temos um vínculo muito maior, o de médica a paciente. E ela fez questão de dar um depoimento emocionante que vocês lerão a seguir.
Depoimento da Tati Prescinotto
Olá…. meu nome é Tatiana, tenho 41 anos . Sou médica pediatra, intensivista pediátrica. Trabalhei por 3 anos na UTI pediátrica do A.C. Camargo cancer center onde, por ironia do destino, fiz meu diagnóstico de câncer de mama, em janeiro de 2017. Meus exames eram todos normais em agosto de 2016, mas em dezembro desse mesmo ano palpei um nódulo em mama direita, e desde então, no fundo do meu coração, já sabia do diagnóstico, mas sempre com a esperança de estar errada.
Quando abri o resultado da biópsia, o chão se abriu junto!!! Não estava sozinha, como não fiquei nem um minuto desde então; meu marido, meu irmão e minha cunhada estavam lá…. secando as minhas lágrimas. Chorei, chorei muito, mas sempre tive muita fé e acreditei em Deus, então, minutos após, me lembrei das “minhas crianças da UTI oncológica”, aquelas que sempre me ensinaram muito!!!! Me ensinaram a ter coragem e acreditar que no final tudo dará certo, de um modo muito simples, simples como elas são.
Então, ergui a cabeça, sequei as lágrimas e encarei a luta com toda a coragem do mundo, afinal tenho um filho maravilhoso, meu maior amor, minha maior razão de viver e por ele enfrentaria tudo sempre com o sorriso no rosto, pois ele estaria me esperando de braços abertos. E assim foi a cada inda e vinda do hospital. Sabia também que não poderia “cair”, pois mais uma vez eu que teria que dar segurança do tratamento aos meus pais. Novamente me lembrei das “minhas crianças ”e fiz exatamente como elas: encorajei meus pais! Claro que não foi e não esta sendo fácil, mas cada dia me fortaleço mais e tenho certeza que VENCI!
Primeiro a cirurgia, depois as quimioterapias vermelhas e agora, já no final das brancas (que de brancas e brandas não tem nada). Cada fase com suas dificuldades, mas todas vencidas!!!Uma a uma….. Como médica sabia tudo o que enfrentaria, mas como paciente não sabia NADA!!!!! Não é nada fácil estar do outro lado; foi mais um aprendizado. Aprendi com tudo isso a saber esperar, pois nada mais seria no “meu tempo”. Não poderia mais adiantar nada, carimbar nada, resolver nada! Tive que aprender a esperar! Esperar, esperar….esperar! Cada “coisa” no seu tempo. Tive que aprender a “delegar” coisas, a “abrir mão dos meus pacientes, nem que por um tempo….. deixar meus plantões de UTI, que tanto amo, e dividir os “cuidados” com meu filho. Portanto, digo que só aprendi com a doença e hoje tenho certeza que evoluí – evoluí como ser humano e descobri que as “minhas crianças da UTI oncológica” são muito mais heroínas do que já achava.
A cada ida e vinda do A.C. Camargo cancer center via o hospital diferente de como via como médica e quando pensava em reclamar de algo, olhava para o lado e percebia que minha história era do tamanho de um “alfinete” perto de tantas outras. Na verdade, só tenho que agradecer, pois tive um diagnóstico precoce e tenho a oportunidade de estar me tratando num dos melhores centros oncológicos do país, com médicos “ímpares”, os quais admiro muito e que serei grata por toda vida. Tenho meus pais, irmãos, filho, esposo, cunhadas, avó, tias, primos e amigos sempre ao meu lado, me apoiando e nunca me deixando sozinha. Descobri com isso que minha família me ama muito mais do que eu imaginava e quanto sou importante para eles; e hoje tenho a certeza de que sem eles não teria sido nada fácil, talvez nem seria possível! Mas com eles os espinhos caíram e a flor renasceu! Renasceu mais fortalecida e pronta para aproveitar a vida da melhor forma possível, afinal ela é muito curta. Hoje realmente posso dizer que TUDO PASSA, basta sabermos ESPERAR!!!
Fabíola Peixoto Ferreira La Torre
Médica Pediatra
São Paulo, SP