A montanha russa

Oi, meu nome é Luciane, tenho 48 anos, sou pedagoga e moro em Porto Alegre. Descobri o câncer de mama em 2010, após exames de rotina. Foi um susto enorme, nuca pensei que teria esse tipo de câncer porque na época não me via como alguém que tivesse risco de contraí-lo, apesar de um histórico familiar favorável ao desenvolvimento da doença. Não me via em um “grupo de risco”, nunca fumei, nunca tinha tomado uma gota de álcool, tive três filhos, amamentei os três, não era obesa nem sedentária e me parecia que eu tinha feito as “escolhas certas”. Para minha surpresa o câncer apareceu independente dessas escolhas.

O diagnóstico recebido não era animador: carcinoma ductal infiltrante, no bico do seio, com 3,5 cm. A mastologista da época optou por uma cirurgia de retirada da mama com a reconstrução da mesma, mais abdominoplastia, tudo durante a mesma cirurgia, isso me animou bastante porém pouco tempo depois veio a decepção, a prótese foi rejeitada pelo meu organismo, tive que retirá-la e todo esse processo acabou atrasando o início da quimioterapia – só a iniciei três meses após a cirurgia.

Do ponto de vista emocional, fiquei muito abalada; perder a mama, o cabelo e engordar 14kg não estavam nos meus planos. Além disso eu vivia um momento profissional difícil e acreditava que haveria um grande culpado para isso tudo, só podia ser as dificuldades do trabalho e o estresse decorrente disso.

Para dar conta da situação, busquei alimentar a minha espiritualidade, recorri a terapia, comecei a escrever um blog; e como sempre fui uma leitora voraz, busquei inspiração nos livros para aguentar o que veio.

Sou uma mulher muito vaidosa, então não preciso dizer que sofri muito, com o fato de perder os cabelos e a mama; apesar de ter sido tão difícil, tentei enfrentar com bom humor e me imaginei um pouco travesti de mim mesma. Nessas aventuras, recorri a diferentes perucas, ao sutiã com enchimento e usei a maquiagem como nunca, tudo para me sentir um “pouco mulher”.

Fiz a última reconstrução em 2012 e estou satisfeita com o resultado, não tenho o bico do seio, já pensei várias vezes nisso e até em tatuar, mas como de sutiã e roupa de praia o resultado é bom, acabo deixando isso para depois…

Em abril de 2017, após sentir dores na axila, fiz uma ressonância magnética na região das mamas e acusou um linfonodo atípico, com chance de ser recidiva do primeiro câncer. Meu mundo caiu de novo, eu estava em uma fase completamente diferente do primeiro câncer, em um trabalho novo, com bons desafios e fazendo o que eu gosto. A vida familiar em boa fase, dois filhos formados e já trilhando seus próprios caminhos nas suas casas, o caçula em uma ótima universidade pública, o marido e eu em uma fase boa em que nossos planos eram de viajar e aproveitar…E aí câncer – e de novo.

No início neguei a questão, achava que após a cirurgia viria um resultado negativo na biópsia, custei a acreditar. Nessa hora o papel das médicas foi crucial, elas me colocaram literalmente para “dentro da casa”, me fazendo enfrentar a realidade: “é câncer, vais ficar bem desta vez também e precisamos conversar sobre os cabelos.” Em poucas palavras tive o panorama do que eu já sabia que viria e a assertividade da oncologista e o carinho da minha mastologista me deram suporte para enfrentar com coragem o que viria.

Há pouco encerrei as quimioterapias, foram quatro sessões e nas duas últimas tive que ficar hospitalizada para tratar uma sinusite que se aproveitou da minha baixa imunidade. Para minha surpresa, me descobri muito mais corajosa do que na primeira vez, busquei os mesmos recursos que eu já conhecia, e acrescentei os lenços ao meu look, tentei levar uma vida quase normal (não fossem as hospitalizações, eu teria conseguido totalmente).

O câncer de mama é uma doença que mexe com a feminilidade e com a autoestima, é difícil se olhar e não ter a tendência a se penalizar; penso que consegui resistir ao papel de vítima e tenho enfrentado esse inimigo como uma protagonista. Já que não posso mudar a realidade de tê-lo, não me entrego, vou tentar encarar essa aventura como a descida de uma montanha russa com seus altos e baixos, mas de olhos abertos, como alguém que não tem medo…Se me perguntarem se isso é fácil, respondo com sinceridade que claro que não é, mas também não é tão assustador, porque confio no tratamento, confio na equipe de médicos e confio principalmente em um Deus amoroso que está sempre comigo e me sustenta.

Não sei o que enfrentarei daqui para frente, ainda falta a radioterapia, acho que serão pelo menos trinta.

Desejo sinceramente que, com o tempo, as terapias de tratamento do câncer evoluam a tal ponto que os estragos sejam cada vez menores. De qualquer jeito, estou consciente da minha condição de paciente oncológica e farei a minha parte nesse processo de buscar a cura.

Desejo a você, que está passando por isso, muita coragem e fé, tudo passa e isso também vai passar!

Um forte abraço,

Lu

 


Luciane Bernardes da Silva
Pedagoga
Porto Alegre, RS