Avaliação dos genes do tumor pode poupar pacientes da qumioterapia

Durante o congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (www.asco.org), que ocorreu de 1 a 5 de junho deste ano (2018), foi amplamente divulgado na mídia internacional e nacional os dados de um estudo chamado TAILORx. A conclusão do estudo, que foi o principal foco das reportagens, dizia que “a maioria das mulheres com câncer de mama não precisaria de quimioterapia se fizesse um teste genético que indica quem não precisa desse tratamento”.

O teste em questão é o Oncotype DX, que é um dos vários testes disponíveis comercialmente nos Estados Unidos e no Brasil. O sistema único de saúde e os planos de saúde ainda não pagam o teste no Brasil, mas o mesmo pode ser realizado mediante pagamento.

Vamos entender o histórico que levou ao desenvolvimento de testes como o Oncotype DX (chamados de testes moleculares). Até os anos 90, pacientes que tivessem operado um câncer de mama com mais de 1,0 cm de extensão eram encaminhadas para fazer quimioterapia pós-operatória (que chamamos de quimioterapia adjuvante). Com a evolução do conhecimento na área da oncologia, descobriu-se que o câncer de mama não poderia ser considerado uma doença igual para todas as pacientes, pois haviam tipos diferentes de células presentes nos nódulos malignos, as quais definiam um comportamento diferente da doença em cada paciente. Por exemplo, uma paciente pode ter um câncer de mama pequeno, mas que se reproduz muito velozmente, sendo capaz de “escapar” para a corrente sanguínea com facilidade; esse tipo de tumor acarreta um risco maior de metástases à distancia e, portanto, parece precisar de quimioterapia para que as células que escaparam possam ser combatidas. Por outro lado, um câncer de mama maior nem sempre cresce velozmente; ele pode levar mais tempo para conseguir ir para outros órgãos, o que faz com que a cirurgia seja mais efetiva nesses casos e, talvez, a quimioterapia não seja necessária. No caso do câncer de mama, “tamanho nem sempre é documento”.

Baseado na observação acima, pesquisadores desenvolveram testes capazes de avaliar os genes de cada câncer das pacientes que entraram nos estudos e ver que haviam pelo menos 6 tipos diferentes de câncer de mama naquelas mulheres estudadas (figuras 1 e 2).

 

Figura 1 – Gráfico extraído do artigo de Sorlie e colaboradores (2001, livre acesso na internet), mostrando que cada amostra dos tumores de mama estudados (representados nas colunas, pelo nome da região de origem da paciente seguida de um número) pertenceu a um de 6 grupos de câncer de mama: tipo basal, ErbB2+, tipo normal, luminal C, luminal B e luminal A.  Esses 6 tipos foram agrupados de acordo com o desfecho das pacientes, ou seja, o que ocorreu com elas após os tratamentos realizados. A partir de estudos como esse, aprendeu-se que cada pessoa pode ter um câncer de mama pertencente a um desses subgrupos, o que pode acarretar tratamentos diferentes para cada indivíduo.

 

Figura 2 – A origem dos subgrupos mostrados na figura 1 veio da análise de todos os genes que a figura 2 apresenta; cada linha da imagem corresponde a um gene diferente analisado. A cor vermelha corresponde a genes que estão ativados no tumor e a cor verde corresponde a genes que estão desativados naquele mesmo tumor.

 

Desta forma, os esforços voltaram-se para a identificação de “quem precisava de qual tratamento”. Desde a publicação do estudo de Sorlie e colaboradores, ao qual se seguiram diversos outros estudos importantes, classificando cada vez melhor o câncer de mama, as mulheres passaram a ser tratadas de maneiras diferentes.

Para definir se uma paciente tem indicação de quimioterapia após uma cirurgia com intenção curativa, devemos avaliar os parâmetros que são disponíveis no mundo inteiro, tanto para pacientes de sistemas públicos quanto para aquelas do sistema privado: tamanho do tumor, presença de acometimento dos linfonodos (“ínguas”) da axila do mesmo lado do tumor, grau do tumor (corresponde à agressividade, ou velocidade de crescimento, das células malignas) e presença de receptores de estrogênio, progesterona e cErbB2 (HER2). De acordo com uma combinação dos parâmetros acima, define-se se há benefício em indicar quimioterapia ou não. Os casos de baixo risco (que não farão quimioterapia) e os de alto risco (aquelas pacientes que tem indicação muito clara de quimioterapia) são relativamente fáceis de definir. Os casos mais difíceis são de pacientes que estão no meio do caminho entre o baixo e o alto risco, ou seja, aquelas de risco intermediário.

No estudo TailorX (figura 3), as pacientes de baixo risco pelo exame Oncotype DX receberam hormonioterapia, as de alto risco receberam quimioterapia e as de risco intermediário foram sorteadas para fazer ou não quimioterapia. Das 10.253 pacientes estudadas, 69% foram classificadas como de risco intermediário de recidiva do câncer de mama, ou seja, não se sabia o real papel da quimioterapia nesses casos. O estudo mostrou que as pacientes desse grupo intermediário que não receberam quimioterapia tiveram um desfecho muito parecido com aquelas que receberam quimioterapia, com taxas de recidiva da doença e tempos de vida muito semelhantes.

Figura 3 – Publicação do estudo TailorX em 3 de junho de 2018.

 

É preciso prestar atenção para as características das mulheres incluídas nesse estudos:
– 70% estavam na pós-menopausa;
– a média de tamanho do câncer de mama era de 1,5cm;
– nenhuma paciente tinha metástases nos linfonodos da axila;
– 99% dos tumores tinham receptor de estrogênio presente e 98% tinha receptor de progesterona;
– não podia entrar no estudo se o tumor expressasse o receptor HER2 (HER2-positivo era excluído).

Além disso, uma análise exploratória do estudo (ou seja, que foi definida após os resultados terem sido analisados) mostrou que a quimioterapia teve mais benefício para mulheres com 50 anos ou menos.

Desta forma, os resultados desse estudo devem ser analisados com cautea e aplicados ao grupo certo, que pode ser a maioria das pacientes, mas definitivamente não são todas.

Em resumo, a quimioterapia continua sendo importante para várias pacientes, mas cada vez mais sabemos quem são as pacientes que podem ser poupadas desse tratamento.

 

 


Daniela Dornelles Rosa, MD PhD
Oncologista Clínica
Porto Alegre, RS

 

Referências

  1. Sorlie T, Perou CM, Tibshirani R et al. Gene expression patterns of breast carcinomas distinguish tumor subclasses with clinical implications. Proc Natl Acad Sci U S A.2001 Sep 11;98(19):10869-74.
  2. Sparano JA, Gray RJ, Makower DF et al. Adjuvant Chemotherapy Guided by a 21-Gene Expression Assay in Breast Cancer. New Engl J Med 2018; June 3. DOI: 10.1056/NEJMoa1804710